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30.10.2014

Tribunal de Justiça confirma a decisão da Comissão Europeia sobre as comissões interbancárias multilaterais da MasterCard

A Comissão Europeia, por decisão de 19 de Dezembro de 2007, considerou que as comissões interbancárias multilaterais (CIAI) praticadas pela MasterCard no contexto do seu sistema de pagamentos por cartão são contrárias às normas do direito da concorrência da UE. Em regra, as CIM correspondem a uma percentagem do preço de transação por cartão de pagamento retida pelo banco emissor do cartão em causa. O custo da CIM é cobrado aos comerciantes no contexto mais amplo das comissões que lhes são imputadas pela utilização dos cartões de pagamento pela instituição financeira que gere as suas transações (ADQUIRENTE).

No seguimento da queixa apresentada inter alia pela Eurocommerce, a Comissão determinou que as CIM tinham por efeito fixar um teto mínimo para as comissões cobradas aos comerciantes e, neste contexto, configuravam uma restrição da concorrência pelo preço. Adicionalmente, a Comissão desconsiderou o argumento segundo o qual as CIM tinham como efeito gerar eficiências suscetíveis de justificar os respetivos efeitos restritivos. Estas conclusões serviram de pano de fundo para a Comissão ordenar à MasterCard e às sociedades que a representam (MasterCard Inc. e as suas subsidiárias MasterCard Europe e MasterCard International Inc.) que cessassem de imediato tal prática e que as CIM fossem revogadas no prazo de 6 meses.

A MasterCard recorreu judicialmente da decisão da Comissão, tendo o Tribunal Geral da UE, por acórdão de 24 de Maio de 2012, negado provimento ao respetivo recurso e confirmado a decisão da autoridade europeia. Deste modo, a MasterCard recorreu junto do Tribunal de Justiça da UE, pugnando pela anulação do acórdão do Tribunal Geral da UE.

Por acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Setembro de 2014, “MasterCard Inc. et al c. Comissão Europeia”, processo C-382/12 P1, foi negado provimento ao recurso da MasterCard, tendo o Tribunal de Justiça confirmado a decisão do tribunal a quo.

Neste âmbito o Tribunal de Justiça considerou que as CIM não eram objetivamente necessárias ao sistema MasterCard, tendo salientado que as consequências adversas para o funcionamento do sistema MasterCard associadas à eliminação das CIM não consubstanciam uma justificação suficiente para esse efeito. Na ponderação do Tribunal de Justiça foi, aparentemente, determinante o facto de o tribunal a quo ter considerado que o sistema MasterCard poderia continuar a funcionar sem as CIM.

Quanto à apreciação dos efeitos anticoncorrenciais das CIM, o Tribunal de Justiça teve em consideração o facto de o Tribunal Geral ter confirmado a análise hipotética da Comissão. Tal análise da Comissão aponta no sentido de que alguns dos problemas eventualmente criados pela eliminação das CIM poderem ser resolvidos através da proibição de tarifas ex post (proibindo-se, deste modo, os bancos emissores e os adquirentes de definirem o montante das comissões interbancárias após a compra efetuada pelo um titular de cartão).

Neste contexto, o Tribunal de Justiça, apesar de reconhecer que o Tribunal Geral tinha o dever de no âmbito da sua análise ter confirmado a probabilidade de ocorrência de tal hipótese, considerou que tal erro de direito não afeta a análise dos efeitos anticoncorrenciais das CIM, dado que o tribunal a quo podia suportar a sua decisão na hipótese avançada pela Comissão. Conclui, referindo que in casu a única outra opção disponível e que permitia o funcionamento do sistema MasterCard sem a aplicação das CIM era a hipótese em que se proíbe as tarifações ex post.

O Tribunal de Justiça desconsiderou, de igual modo, o argumento dos recorrentes segundo o qual o Tribunal Geral não examinou adequadamente os efeitos anticoncorrenciais das CIM. Com efeito, o Tribunal de Justiça salientou que a análise do tribunal a quo sobre se estas comissões limitam a pressão que os comerciantes podem exercer sobre os adquirentes quando negoceiam as taxas que lhes são cobradas foi suficientemente detalhada, tendo, deste modo, acompanhado a conclusão do Tribunal Geral no sentido de que as CIM tinham efeitos restritivos da concorrência.

De igual modo o Tribunal de Justiça reconheceu que o Tribunal Geral ponderou a natureza two-sided do sistema de pagamentos MasterCard. No entendimento do tribunal, tal conclusão resulta do facto de o Tribunal Geral ter analisado o papel das CIM na compensação entre as vertentes “emissão” e “aquisição” do sistema em causa, reconhecendo, por sua vez, a existência de interações entre estas duas vertentes. Adicionalmente, o Tribunal de Justiça considerou que, na falta de provas da existência de vantagens objetivas sensíveis resultantes das CIM no mercado da aquisição para os comerciantes, o Tribunal Geral não tinha a necessidade de analisar as vantagens decorrentes das CIM para os titulares de cartões, visto que tais vantagens, ainda no entendimento do tribunal, não são, por si só, suscetíveis de compensar os inconvenientes resultantes destas comissões. Esta fundamentação, a nosso ver, é um grande revés para os consumidores, porquanto o Tribunal de Justiça, embora no contexto de um mercado two-sided, não tomou em devida consideração as vantagens que resultam das CIM para os consumidores, em particular para os titulares de cartões de pagamento.

Note-se ainda que na semana em que o Tribunal de Justiça confirmou a Decisão da Comissão Europeia no processo MasterCard referente às CIMs, o Tribunal Geral anulou, por acórdão de 9 de setembro de 2014, processo T-516/112, a decisão da Comissão que impedia o acesso da MasterCard a um estudo elaborado por uma entidade terceira para a Direcção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia sobre os custos e benefícios para os comerciantes associados à aceitação de diferentes meios de pagamento.

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1 Acórdão do Tribunal de Justiça disponível em http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=157521&pageInde x=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=82755. Comunicado de imprensa do Tribunal de Justiça disponível em http://curia.europa.eu/jcms/upload/docs/application/pdf/2014-09/cp140122pt.pdf.
2 Acórdão disponível em http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=157442&pageIndex=0&doclang=EN&mode =lst&dir=&occ=first&part=1&cid=84616