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01.03.2012

Tribunal de Justiça confirma que o regime fiscal proposto para a tributação das empresas em Gibraltar constitui um auxílio de Estado incompatível com o mercado comum

O Reino Unido notificou a Comissão Europeia, em Agosto de 2002, da reforma fiscal prevista pelo governo de Gibraltar para o imposto aplicável às empresas. A reforma fiscal compreendia, em particular, a revogação do anterior regime e a implementação de três impostos aplicáveis a todas as sociedade em Gibraltar, a saber: uma taxa de registo, um imposto sobre o número de empregados e um imposto sobre a superfície ocupada (este último designado business property occupation tax, “BPOT”), tomando-se em consideração que a taxa do imposto correspondente aos dois últimos impostos não podia ser superior a 15% dos lucros.

A Comissão Europeia ao abrigo da Decisão 2005/261/CE (de 30 de Março de 2004 - JO 2005, L 85, p. 1), estatui que as propostas legislativas notificadas para a reforma do imposto sobre as sociedades em Gibraltar constituem um regime de auxílios de Estado incompatível com o mercado comum e que, concomitantemente, não podiam vir a ser implementadas.

A Comissão Europeia considera que determinados aspetos do projeto de reforma fiscal são seletivos no plano material. Assim, em primeiro lugar, e sumariamente, entende que são seletivos neste plano a condição da realização de lucros, para que uma empresa seja sujeita ao imposto sobre o número de trabalhadores e ao BPOT, na medida em que esta condição favorece as empresas que não realizem lucros (considerandos 128 a 133 da decisão) e, em segundo lugar, a aplicação do limite máximo de 15% dos lucros, no que se refere ao imposto sobre o número de trabalhadores e A Comissão Europeia considera que determinados aspetos do projeto de reforma fiscal são seletivos no plano material. Assim, em primeiro lugar, e sumariamente, entende que são seletivos neste plano a condição da realização de lucros, para que uma empresa seja sujeita ao imposto sobre o número de trabalhadores e ao BPOT, na medida em que esta condição favorece as empresas que não realizem lucros (considerandos 128 a 133 da decisão) e, em segundo lugar, a aplicação do limite máximo de 15% dos lucros, no que se refere ao imposto sobre o número de trabalhadores e ao BPOT, dado que este limite favorece as empresas que, no exercício fiscal em questão, apresentem lucros pouco elevados em relação ao número de efetivos e às instalações que ocupam para fins comerciais (considerandos 134 a 141 da decisão). Por fim, em terceiro lugar, no entendimento da Comissão, o projeto de reforma é também seletivo no plano material pelo facto de prever um imposto sobre o número de trabalhadores e o BPOT, uma vez que estes dois impostos favorecem, por natureza, as sociedades offshore, que não estão fisicamente presentes em Gibraltar, e que, consequentemente, não estão sujeitas ao imposto sobre as sociedades (considerandos 142 a 144 e 147 a 151 da decisão).

O Tribunal Geral, com base nos recursos de anulação apresentados pelo Governo de Gibraltar e pelo Reino Unido, em 18 de Dezembro de 2008 anulou a decisão da Comissão Europeia – cfr. acórdão proferido nos processos apensos T-221/04 e T-215/04.

No aresto o Tribunal declara que a Comissão não adotou um método de análise correto em relação à seletividade material do projeto da reforma fiscal proposto pelo Governo de Gibraltar. Segundo o Tribunal, para demonstrar a natureza seletiva do regime fiscal em causa, a Comissão tinha de evidenciar que pelo menos parte dos seus elementos constituíam um regime excecional face ao regime fiscal dito comum ou “normal” de Gibraltar. Assim, no entender do tribunal, a Comissão não podia, como o fez na Decisão, considerar como seletivas medidas fiscais gerais. Para além disso, o tribunal constata que o quadro de referência para aferir da seletividade do regime correspondia exclusivamente ao território de Gibraltar e não a todo o território do Reno Unido.

Neste contexto, a Comissão Europeia e Espanha, inconformadas com a decisão, interpuseram recurso do acórdão do Tribunal Geral para o Tribunal de Justiça – cfr. processos apensos C-106/09P e C-107/09P.

No acórdão proferido em 15 de Novembro de 2011, o Tribunal de Justiça declara que o Tribunal Geral incorreu num erro de direito ao considerar que o projeto de reforma do sistema fiscal de Gibraltar não confere vantagens seletivas às empresas offshore.

Para esse efeito, o Tribunal de Justiça constata que uma tributação fiscal diferente resultante da aplicação de um regime fiscal geral é em si mesma insuficiente par demonstrar a seletividade do imposto. Não obstante, considera que essa seletividade existe quando, como no caso dos autos, os critérios adotados por um sistema fiscal permitem caracterizar as empresas beneficiárias em virtude das propriedades que lhes são específicas enquanto categoria privilegiada, permitindo, assim, a qualificação deste regime como favorecendo “certas” empresas ou “certas” produções na aceção das regras relativas a auxílios de Estado do Tratado.

Neste particular, o Tribunal de Justiça reconhece que a circunstância de as sociedades offshore em Gibraltar não serem tributadas não constitui uma consequência aleatória do regime em causa, mas a consequência inelutável do facto de os valores tributáveis serem, precisamente, concebidos de modo a que as sociedades offshore que, pela sua natureza, não empregam trabalhadores e não ocupam instalações para fins comerciais não dispõem de matéria coletável na aceção dos valores tributáveis previstos no projeto de reforma fiscal.

Assim, e de acordo com o Tribunal, a circunstância de as sociedades offshore, que constituem, atendendo aos valores tributáveis previstos no projeto de reforma fiscal, um grupo de sociedades, não estarem sujeitas a tributação deve-se, precisamente, às características próprias e específicas deste grupo que permitem considerar que estas sociedades beneficiam de vantagens seletivas.

Em particular, o Tribunal de Justiça recorda que, contrariamente ao entendimento seguido pelo Tribunal Geral, a qualificação de um sistema fiscal como seletivo não está dependente do facto de o conjunto das empresas estarem sujeitas à mesma carga fiscal e de algumas delas beneficiarem de regras derrogatórias, de modo que a vantagem seletiva possa ser identificada como sendo a diferença entre a carga fiscal normal e a suportada pelas primeiras empresas.

Com efeito, essa interpretação do critério de seletividade pressuporia que um regime fiscal, para poder ser qualificado de seletivo, seja concebido segundo uma determinada técnica regulamentar, o que teria como consequência permitir que normas fiscais nacionais deixassem de estar sujeitas, desde logo, ao controlo em matéria de auxílios de Estado pelo simples facto de resultarem de outra técnica regulamentar, apesar de provocarem, de direito e/ou de facto, os mesmos efeitos.

No entendimento do Tribunal Geral, estas considerações são válidas, sobretudo, para um sistema fiscal que, como no caso de Gibraltar, em vez de prever normas gerais para todas as empresas, com exceções a favor de certas empresas, chega de facto a um resultado idêntico ajustando e combinando as normas fiscais de modo a que a própria aplicação destas implica uma carga fiscal diferenciada para as diferentes empresas, discriminando positivamente as empresas offshore.

Assim, e em síntese, o Tribunal de Justiça decidiu anular o acórdão do Tribunal Geral e confirmar a Decisão da Comissão Europeia que considera o projeto legislativo de reforma fiscal de Gibraltar um regime de auxílios de Estado incompatível com o mercado comum.

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