M L

01.04.2016

Tribunal de Justiça da UE precisa a relação entre os pedidos de clemência apresentados à Comissão e às Autoridades de Concorrência Nacionais

O Tribunal de Justiça da UE (TJUE), no processo DHL Express S.r.l. e o. c. Autoritá Garante della Concorrenza e del Mercato e o., por acórdão de 20 de janeiro de 20161, pronunciou-se sobre a relação entre os programas de clemência da União e os programas implementados pelos Estados-Membros.

Este processo tem como pano de fundo os pedidos de clemência apresentados separadamente à Comissão Europeia e à Autoritá Garante della Concorrenza e del Mercato (autoridade italiana garante do respeito da concorrência e das regras do mercado, doravante “AGCM”), em 2007 e 2008, pelas empresas italianas DHL Express, DHL Global Forwarding, Agility Logistic e Schenker.

Em 15 de junho de 2011, a AGCM deu como provada a participação das referidas empresas, entre outras, num cartel no setor dos serviços de transporte rodoviário internacional de mercadorias tendo como origem ou destino Itália. Neste contexto, a AGCM condenou em coima as empresas do grupo DHL e a Agility Logistic, que foram no entanto objeto de redução considerando os respetivos pedidos de clemência por si apresentados. A Schenker, por sua vez, não foi condenada em coima, porquanto a AGCM considerou que esta empresa foi a primeira a apresentar um pedido de clemência (em 12 de dezembro de 2007), tendo por isso obtido a correspondente dispensa total de coima ao abrigo do programa nacional de clemência italiano.

Inconformada, a DHL recorreu da decisão da AGCM, pedindo a respetiva anulação junto dos tribunais italianos. Alegou para o efeito que a AGCM deveria ter tido em consideração o pedido de clemência apresentado pelas empresas do grupo DHL à Comissão Europeia em 5 de junho de 2007, em momento prévio ao pedido apresentado pela Schenker à AGCM.

Face a este enquadramento, o TJUE salienta que a Rede Europeia da Concorrência adotou em 2006, ao nível europeu, um Programa-modelo em matéria de clemência no contexto de violações do direito da concorrência da União. Regista também que em 2007 a AGCM implementou, em Itália, um modelo semelhante ao da rede Europeia, que prevê um pedido simplificado. O TJUE esclarece, no entanto, precisando a sua pretérita jurisprudência nesta matéria2, que os instrumentos adotados no âmbito da Rede Europeia da Concorrência, em particular o referido Programa-modelo, não têm efeito vinculativo para as autoridades nacionais de concorrência, independentemente da natureza jurisdicional ou administrativa dessas autoridades.

O TJUE conclui, ainda, pela inexistência de um vínculo jurídico entre o pedido de dispensa de coima apresentado à Comissão Europeia e o pedido simplificado apresentado junto de uma autoridade nacional de concorrência em relação à mesma prática restritiva. Deste modo, o tribunal considera que quando o pedido simplificado apresentado a uma autoridade nacional de concorrência tem um âmbito de aplicação material mais restrito do que o pedido de dispensa total de coima apresentado à Comissão Europeia, essa autoridade nacional não é obrigada a apreciar o pedido simplificado à luz do pedido de dispensa de coima, não sendo também obrigada a contactar a Comissão para efeitos de obtenção de informações sobre o objeto e os resultados do procedimento de clemência a decorrer ao nível europeu.

Adicionalmente, o tribunal esclarece que o direito da União não obsta a um regime nacional de clemência que permita aceitar um pedido simplificado de dispensa de coima de uma empresa no caso em que esta tenha apresentado à Comissão Europeia, em paralelo, um simples pedido de redução de coima. Como tal, de acordo com o TJUE, o direito nacional pode prever que uma empresa, que não seja a primeira a submeter um pedido de dispensa de coima à Comissão Europeia e que, por isso, possa beneficiar apenas de uma redução de coima ao nível europeu, apresente um pedido simplificado de dispensa total às autoridades nacionais de concorrência.

Na prática, o acórdão ora em análise tem relevantes implicações na coordenação, por parte das empresas, de procedimentos de clemência respeitantes à violação das regras da concorrência da UE em múltiplas jurisdições dos Estados-Membros. Com efeito, torna-se especialmente relevante, em sede de preparação de pedidos de clemência a apresentar junto da Comissão Europeia, ter particular atenção aos regimes nacionais aplicáveis em cada um dos Estados-Membros afetados, de modo a maximizar a possibilidade de beneficiar de uma dispensa ou redução de coima a nível nacional.

O acórdão do tribunal de justiça tem relevantes implicações na condução pelas empresas de procedimentos de clemência junto da comissão europeia e de autoridades nacionais de concorrência da UE, na medida em que exige uma estrita coordenação na submissão dos respetivos pedidos nas jurisdições em que as práticas restritivas da concorrência ocorreram.

_______________________

1 Disponível e acedido em curia.europa.eu.
2 Em particular os acórdãos de 14 de junho de 2011, no proc. C-360/09 – Pfleiderer, e de 5 de junho de 2014, no proc. C-557/12 – Kone e o., ambos acedidos e disponíveis em curia.europa.eu.