1. Introdução
A importância do mercado de capitais para o desenvolvimento e crescimento da economia Angolana tornou premente adequar a legislação ao crescente desenvolvimento do país. O mercado de capitais surgiu com a aprovação do Estatuto da Comissão de Mercados de Capitais1, a publicação da Lei dos Valores Imobiliários2 e a publicação da Lei das Instituições Financeiras3.
A preocupação de expandir o mercado de capitais e a explosão do sector imobiliário, justificam a implementação de legislação para regulação e implementação dos Fundos de Investimento Imobiliário (“FII”) com a finalidade de investir capitais recebidos do público em carteiras de valores fundamentalmente imobiliários. Assim, encontram-se em consulta pública os Anteprojectos de Decretos Legislativos Presidenciais relativos ao Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário e Sociedades de Investimento Imobiliário (“RJFII”) e ao Regime Jurídico das Sociedades Gestoras de Fundos de Investimento (“RJSG”), ambos de 2012.
2. Fundos de Investimento Imobiliário (“FII”)
Os Fundos de Investimento Imobiliário (“FII”) são definidos no Anteprojecto do RGFII como “instituições que integram contribuições recolhidas junto do público cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de repartição de riscos e de prossecução do interesse exclusivo dos quotistas, cujos activos integram bens imóveis e liquidez”. Os FII assumem a forma de patrimónios sem personalidade jurídica, ou a forma societária, ou seja as denominadas sociedades de investimento imobiliário (“SII”) (ver ponto 3 infra). Os FII sem personalidade jurídica constituem um património autónomo detido em especial comunhão pelos quotistas.
Considera-se que existe recolha de capitais junto do público desde que tal recolha: i) se dirija a destinatários indeterminados; ii) seja precedida ou acompanhada de prospecção ou de recolha de intenções de investimento junto de destinatários indeterminados; e iii) se dirija, pelo menos, a 150 destinatários. As entidades relacionadas com os FII são a sociedade gestora que assegura a gestão do FII, a entidade depositária que tem de ser uma instituição bancária com sede em Angola que recebe em depósito e subscreve as quotas e as entidades distribuidoras, as quais são responsáveis pela comercialização das quotas junto do público. A entidade gestora e a entidade depositária respondem solidariamente, perante os quotistas pelo cumprimento das obrigações contraídas nos termos da lei e do regulamento de gestão. A entidade distribuidora de quotas pode ser a entidade gestora, a entidade depositária ou os intermediários financeiros registados ou autorizados junto da CMC, ou outras entidades como tal previstas em regulamento da CMC.
Os FII não respondem, em caso algum, pelas dívidas dos quotistas, das entidades gestoras, depositárias ou distribuidoras, ou de quaisquer outras entidades, mas apenas pelas suas próprias dívidas. As quotas do fundo correspondem a fracções ideais do seu património e podem ser representadas por certificados de investimento, os quais apenas são emitidos após a constituição do FII, devendo ser entregues aos quotistas no prazo de 60 dias, a contar do encerramento da subscrição, devendo ser respeitado igual prazo no caso de emissões posteriores.
O activo de um FII pode ser constituído por imóveis4 ou liquidez5 , ou ainda por participações em sociedades imobiliárias desde que preencham determinados requisitos. Os imóveis que podem integrar o activo de um FII em direito de propriedade, de superfície, ou através de outros direitos com conteúdo equivalente, devem encontrar-se livres de ónus ou encargos que dificultem excessivamente a sua alienação. Os imóveis devem ser avaliados por, pelo menos, 3 peritos avaliadores independentes, previamente à sua aquisição, alienação ou desenvolvimento de projectos de construção, ou sempre que ocorram circunstâncias susceptíveis de induzir alterações significativas no valor do imóvel e, ainda com uma periodicidade mínima de dois anos.
No que respeita à actividade dos FII, esta prende-se com aquisição de imóveis para arrendamento ou destinados a outras formas de exploração onerosa, aquisição de imóveis para revenda ou aquisição de outros direitos sobre imóveis, nos termos previstos no regulamento da CMC, tendo em vista a respectiva exploração económica. No âmbito da sua actividade, os FII podem ainda desenvolver projectos de construção e de reabilitação de imóveis. No exercício dessa actividade é especialmente vedado onerar os bens do fundo, excepto para financiamento, dentro dos limites estabelecidos no RJFII, conceder crédito incluindo a prestação de garantias, e, efectuar promessas de venda de imóveis que ainda não se encontrem na titularidade do FII.
No que respeita à constituição de um FII, o primeiro passo será a entidade gestora requerer autorização prévia da Comissão de Mercado de Capitais (“CMC”) a qual deve ser concedida num prazo de 30 dias a contar da apresentação do pedido instruído com todos os elementos necessários. A entidade gestora deve solicitar, simultaneamente com a autorização para constituição e funcionamento do fundo o registo de distribuição de quotas. Os elementos que devem instruir o pedido de constituição do FII, são os seguintes:
a) Projecto de regulamento de gestão e do prospecto;
b) Projecto dos contratos a celebrar entre a entidade gestora, com a entidade depositária, com as entidades comercializadoras e outras entidades prestadoras de serviços;
c) Documentos comprovativos de aceitação de funções de todas as entidades envolvidas na actividade do fundo;
d) Identificação do auditor, do perito avaliador e do consultor de investimento, registados na CMC ;
e) Demonstrativo que evidencie a diferenciação da política de investimentos ou público-alvo do fundo, em relação aos demais fundos geridos pela entidade gestora.
A entidade gestora elabora e mantém actualizado o regulamento de gestão relativamente a cada FII, que constitui o contrato de adesão dos quotistas ao fundo, o qual contém os elementos identificadores do fundo de investimento, da entidade gestora e depositária, os direitos e obrigações dos quotistas, da entidade gestora e da entidade depositária, a política de investimentos do FII e as condições da sua liquidação. O regulamento de gestão deve ser colocado à disposição dos interessados nas instalações da entidade gestora e da entidade depositária e em todos os locais e através dos meios previstos para a comercialização do FII.
O FII considera-se constituído no momento de integração no respectivo activo do montante correspondente à primeira subscrição, a qual deve ser comunicada à CMC pela entidade gestora do FII nos 10 (dez) dias subsequentes à data em que aquela ocorreu.
A autorização pode caducar se a sociedade gestora a ela renunciar, ou tiver cessado a sua actividade em relação ao FII há pelo menos 6 meses, ou ainda, se o FII não se constituir no prazo de 180 dias após a data de recepção da notificação da autorização aos requerentes. A CMC tem a prorrogativa de revogar a autorização concedida para constituição do FII se nos 12 (doze) meses subsequentes à data da constituição do FII este não atingir o património ou critérios definidos pela CMC ou em caso de violação de lei ou regulamento por parte da entidade gestora. Todas as alterações subsequentes aos documentos constitutivos devem ser previamente comunicados à CMC, a qual pode, em determinados casos, opor-se às modificações propostas.
Os FII podem ser abertos, fechados ou mistos, categorias que passaremos de imediato a analisar.
2.1. Fundos de Investimento Imobiliário Aberto
Os FII abertos são caracterizados por terem um número variável de quotas que conferem ao seu investimento elevada liquidez. As condições para subscrição e resgate das quotas devem constar do regulamento de gestão, indicando, nomeadamente, a periodicidade das subscrições e resgates, o número mínimo de quotistas exigidos para cada subscrição, o valor das quotas para efeitos de subscrição e resgate, o prazo máximo de reembolso dos pedidos de resgate, a forma de determinação do preço de emissão e de resgate das quotas, e, o valor, modo de cálculo e condições de cobrança das comissões. O resgate das quotas deve ser solicitado ao depositário.
No que respeita à composição do património dos FII abertos, são aplicáveis as seguintes regras:
a) O valor dos imóveis e outros activos equiparáveis, definidos no RJFII, não pode representar menos de 75% do activo total do fundo;
b) O desenvolvimento de projectos de construção não pode representar no seu conjunto mais de 25% do activo total do fundo;
c) O valor de um imóvel ou de outro activo equiparável, não pode representar mais de 20% do activo total do fundo;
d) O valor dos imóveis arrendados, ou objecto de outra forma de exploração onerosa, a uma única entidade ou a um conjunto de entidades em relação de domínio ou de grupo, ou que sejam dominadas, directa ou indirectamente, por uma mesma pessoa singular, ou colectiva, não pode superar 20% do activo total do fundo;
e) As participações em sociedades imobiliárias não podem representar mais de 25% do activo total do fundo;
f ) Só podem investir em imóveis situados em Angola ou nos termos permitidos em regulamento da CMC;
g) O endividamento não pode representar mais de 25% do activo total do fundo de investimento.
Importa referir que os quotistas de FII abertos não podem exigir a liquidação ou partilha do respectivo fundo de investimento. A decisão de liquidação deve ser comunicada individualmente a cada quotista. A decisão de liquidação determina a imediata suspensão das operações de subscrição e de resgate de quotas.
2.2. Fundos de Investimento Imobiliário Fechado
Os FII fechados caracterizam-se por terem um número fixo de quotas, podendo existir aumentos e reduções de capital mediante autorização da CMC, desde que essa possibilidade esteja prevista no regulamento de gestão. No entanto, as regras relativas a este tipo de FII variam consoante a oferta de distribuição das quotas seja pública ou particular, determinada em conformidade com Lei dos Valores Mobiliários.
À composição do património do FII fechado de oferta pública aplicam-se as regras dos FII abertos, com as seguintes adaptações:
a) O desenvolvimento de projectos de construção que não pode representar no seu todo mais de 50% do activo total do fundo, salvo se tais projectos se destinarem à reabilitação de imóveis, caso em que tal limite é 60%;
b) O valor de um imóvel não pode representar mais de 25% do activo total do fundo;
c) O valor dos imóveis arrendados, ou objecto de outra forma de exploração onerosa, a uma única entidade ou a um conjunto de entidades em relação de domínio ou de grupo, ou que sejam dominadas, directa ou indirectamente, por uma mesma pessoa singular, ou colectiva, não pode não pode superar 25% do activo total do fundo;
d) O endividamento não pode representar mais de 33% do activo total do fundo de investimento.
No que respeita aos FII fechados de subscrição particular, estes definem-se de forma negativa, ou seja, é privada a oferta que não é pública nos termos definidos supra. Os FII fechados de subscrição particular, com um número de quotistas superior a 5 (cinco), não sendo estes exclusivamente investidores institucionais, é-lhes aplicável, no que refere à composição do património a regra dos FII abertos, no que respeita à obrigatoriedade do valor dos imóveis e outros activos equiparáveis, definidos no RJFII, não poderem representar menos de 75% do activo total do fundo, bem como a obrigação de só investirem em Angola, ou nos termos permitidos em regulamento da CMC. O endividamento tem como limite 33% do activo total do fundo.
Quanto aos FII fechados de subscrição particular, com um número de quotistas inferior a 5 (cinco), não lhes são aplicáveis os limites de composição do património, salvo no que respeita ao desenvolvimento de projectos de construção que não podem representar, no seu conjunto, mais de 50% do activo total do fundo, salvo se tais projectos se destinarem à reabilitação de imóveis, caso em que tal limite é de 60%. Os prazos de oferta fixados na Lei dos Valores Mobiliários também podem não ser aplicáveis, caso o regulamento de gestão fixe o prazo máximo da oferta até 90 dias e calendarize as respectivas liquidações financeiras.
Estes FII fechados de subscrição particular não necessitam de prospecto, não elaboram relatórios de contas semestrais e têm regras de conflitos de interesses mais amplas desde que obtido o acordo de 75% dos quotistas, relativamente a cada operação. Em matéria de aumento e redução de capital do fundo, não necessitam de requerer autorização à CMC, bastando a mera informação para o efeito.
Os quotistas de FII fechados, por subscrição pública ou particular, podem exigir a respectiva liquidação desde que tal possibilidade esteja prevista no regulamento de gestão, ou quando, prevendo este a admissão à negociação em mercado regulamentado das quotas, esta não se verifique no prazo de 12 meses a contar da data da constituição do fundo.
2.3. Fundos de Investimento Imobiliário Mistos
O capital dos FII mistos caracterizam-se pelo seu capital ser composto por uma parte fixa e uma parte variável, representadas por duas categorias diferentes de quotas, sendo que a parte fixa deve ser sempre superior à parte variável. As quotas representativas da parte fixa do capital do fundo misto têm direito a participar nas assembleias de quotistas e à partilha do património líquido em caso de liquidação. As quotas representativas da parte variável do capital do fundo apenas conferem direito à distribuição prioritária de uma quota-parte dos resultados do fundo, ao resgate das quota, nos temos definidos no RJFII e no regulamento de gestão do fundo, e ainda ao reembolso prioritário em caso de liquidação do fundo.
O regulamento de gestão deve definir de forma clara e objectiva a distribuição de resultados refentes às quotas representativas da parte variável. A comercialização das quotas representativas da parte variável do capital do fundo só pode ter início após a integral subscrição das quotas representativas da parte fixa e nas condições definidas no respectivo regulamento. A CMC pode transformar um fundo misto em fundo fechado, caso a subscrição das quotas representativas da parte variável do capital do fundo não se verifique no prazo de 2 (dois) anos a contar da sua constituição.
Relativamente à composição do património dos FII mistos é aplicável o estipulado nos FII abertos, salvo no que respeita ao endividamento que não é autorizado. No restante, a parte variável rege-se pelas regras aplicáveis aos fundos abertos e a parte fixa pelas regras aplicáveis aos fundos fechados.
3. Sociedades de Investimento Imobiliário (“SII”)
As sociedades de investimento imobiliário, assumem a forma societária e adoptam a denominação de SII. As SII regem-se pelo RJFII e pela Lei das Sociedades Comerciais6 , salvo quando estas normas sejam incompatíveis com a natureza das SII ou com o RJFII.
Estas sociedades “são instituições de investimento colectivo dotadas de personalidade jurídica, que assumem a forma de sociedade anónima de capital fixo ou variável, e cujos activos são por elas detidos em regime de propriedade e geridos a título fiduciário, pelas próprias ou por terceiras entidades contratadas, de modo independente e no exclusivo interesse dos accionistas”. As SII podem ser de capital fixo denominando-se SII-CF ou capital variável denominando-se SII-CV. Tal como referido quanto aos FII mistos, as SII-CF observam o regime dos FII fechados e as SII-CV o dos FII abertos. As SII são divididas em acções nominativas de conteúdo idêntico, representativas do seu capital social, sem valor nominal. Às acções das SII é aplicável, salvo disposição em contrário, o regime jurídico das quotas, nomeadamente no que respeita à sua emissão, avaliação e comercialização.
A constituição das SII depende também de autorização prévia da CMC. As SII consideram-se constituídas na data do registo comercial do respectivo contrato de sociedade, sendo que o capital mínimo para a sua constituição será definido em regulamento da CMC. As SII podem ser heterogeridas, geridas por uma terceira entidade, ou autogeridas, quando assegurem a sua própria gestão. Neste último caso ficam sujeitas, com as necessárias adaptações, aos requisitos de organização e deveres das entidades gestoras em relação aos fundos de investimento imobiliário. As SII heterogeridas só podem designar para o exercício da respectiva gestão uma entidade gestora devidamente autorizada. A guarda dos activos da SII deve ser confiada a uma entidade depositária contratada para o efeito, que assegurará que a venda, a emissão, reaquisição, reembolso e anulação das acções efectuadas pela SII ou por sua conta, bem como a aplicação dos rendimentos da SII se efectuam de acordo com a lei e os documentos constitutivo. Todas as características referidas supra são aplicáveis às SII.
4. Conclusão
Pelo exposto podemos afirmar que os FII ou SII podem vir a ser veículos de excelência para o investimento imobiliário em Angola. No entanto, para além da aprovação dos regimes jurídicos analisados, os regulamentos da CMC são regras fundamentais para a implementação com sucesso dos FII e SII no mercado Angolano. Por outro lado, importa realçar que o regime fiscal a aplicar aos FII e SII é fundamental para tornar estes instrumentos atractivos.
Notas:
- Decreto nº 9/2005 de 18 de Março
- Lei 12/2005 de 23 de Setembro
- Lei 13/2005 de 30 de Setembro
- Os imóveis detidos pelos FII correspondem a prédios urbanos, rústicos, fracções autónomas, podendo a CMC definir em regulamento outros valores, designadamente, quotas em fundos de investimento imobiliário e outros activos equiparáveis que possam integrar o activo de um FII.
- Considera-se liquidez depósitos bancários, certificados de depósito, quotas de fundos de tesouraria e valores mobiliários emitidos ou garantidos pelo Estado Angolano com prazo de vencimento inferior a 12 meses.